GESTÃO PÚBLICA – APROVEITAMENTO DE RESTOS A PAGAR
GESTÃO PÚBLICA – APROVEITAMENTO DE RESTOS A PAGAR.
I. INTRODUÇÃO – Como toda e qualquer outra questão relacionada à vida jurídica, em especial no pertinente, à GESTÃO PÚBLICA, a ordem legal, a normatividade administrativa, a conciliação entre os padrões burocráticos praticados e o que se tem para a conformar-se a LEGITIMIDADE, a JURIDICIDADE das escolhas operacionais em face da escassez de recursos orçamentários destinados à Administração Indireta que ainda são AUTORITARIAMENTE expropriados pelo GOVERNO FEDERAL, se faz TORMENTOSA porque, hoje, tem-se o acesso ao CONTROLE JUDICIAL condicionado ao humor de órgãos subordinados à Presidência da República.
II. ISOLAMENTO CONSTITUCIONAL DA CONTABILIDADE PÚBLICA -A Contabilidade Aplicada à Administração Pública seja na área Federal, Estadual, Municipal ou no Distrito Federal, tem como diretriz a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
A despesa pública no Brasil é realizada em consonância com o orçamento de determinado exercício. Uma vez que um dos princípios orçamentários é a anualidade, que determina a vigência do orçamento, para somente o exercício ao qual se refere, não sendo permitida a sua transferência para o exercício seguinte.
Assim, conclui-se que a despesa orçamentária é executada pelo regime de competência, conforme Art. 35, II da Lei nº 4.320/64, que indica pertencer ao exercício financeiro somente as despesas nele legalmente empenhadas.
A Lei nº 4.320/64 determina em seu Art. 36, que se consideram Restos a Pagar as despesas empenhadas, mas não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas.
Deste modo, a despesa orçamentária empenhada que não for paga até o dia 31 de dezembro, final do exercício financeiro, será considerada como Restos a Pagar, para fins de encerramento do correspondente exercício financeiro. Uma vez empenhada, a despesa pertence ao exercício financeiro em que o empenho ocorreu, onerando a dotação orçamentária daquele exercício.
Entende-se por Restos a Pagar de Despesas Processadas aqueles cujo empenho foi entregue ao credor, que por sua vez já forneceu o material, prestou o serviço ou executou a obra, e a despesa foi considerada liquidada, estando apta ao pagamento. Nesta fase a despesa processou-se até a liquidação e em termos orçamentários foi considerada realizada, faltando apenas à entrega dos recursos através do pagamento.
Já os Restos a Pagar de Despesa Não Processada são aqueles cujo empenho foi legalmente emitido, mas depende ainda da fase de liquidação, isto é, o empenho fora emitido, porém o objeto adquirido ainda não foi entregue e depende de algum fator para sua regular liquidação; do ponto de vista do Sistema Orçamentário de escrituração contábil, a despesa não está devidamente processada.
III. PRINCÍPIO DA ANUALIDADE DO ORÇAMENTO CONCILIADO A OUTROS PRINCÍPIOS – O contexto orçamentário na Constituição Federal de 1988 (CF/88) abrange, destacadamente, a Seção II, intitulada “Dos Orçamentos”, Capítulo II, Título IV, compreendendo os artigos 165 a 169. Estes artigos constitucionais estampam diversos princípios orçamentários, entre eles o da anualidade orçamentária, extraído da Carta Magna a partir de uma interpretação sistêmica.
A ordem legal estabelecida para dar execução ao princípio da anualidade orçamentária, não se faz conciliada com a ordem constitucional, onde e quando isto importe em expropriar recursos orçamentários destinados à Administração Indireta, em favor do Governo Federal.
Significa dizer que as disposições da Lei 4.320/64 não podem ser aplicadas com o sentido colocar nas mãos do Governo Federal, a disponibilidade dos recursos financeiros que compõem os valores orçamentários atribuídos pelo Congresso Nacional para os entes da Administração Indireta.
Impõe-se, entender que não pode prevalecer, uma aplicação legal que leve o ente da Administração Indireta a sofrer expropriação de seus recursos orçamentários, colocando-o numa situação de incapacidade financeira para atender suas necessidades administrativas.
Na verdade, nenhuma disposição da Lei 4.320/64 ou qualquer outra tem norma expropriadora do recurso orçamentário do ente da Administração Indireta, até porque, se tal regra legal existisse seria inconstitucional.
Todavia, impera na realidade da gestão dos entes da Administração Indireta, uma submissão à aplicação que os ministérios governamentais conferem à Lei 4.320/64, porque eles estão sem acesso ao controle judicial, por força de implantação autoritária de uma representação processual monopolizada em favor de órgão subordinado à Presidência da República, no caso a Procuradoria Geral Federal.
Assim, ignora-se que ao mesmo tempo em que se tem instituída a anualidade orçamentária, existe um arcabouço jurídico para flexibilizá-la.
IV.- PRINCIPIO DA ANUALIDADE VERSUS PRINCIPIO DA EFICIÊNCIA – A Lei nº 4.320/64 instituindo os Restos a Pagar como forma de permitir a execução, em outros anos, de despesas já empenhadas, há de ser aplicada para garantir ao ente da Administração Pública Indireta, o integral aproveitamento dos recursos orçamentários que lhe foram destinados.
Dessa forma, a anualidade orçamentária não pode ser vista como norma excludente da incidência de outros princípios que devem pautar a gestão pública, dentre os quais a eficiência, continuidade, economicidade, plurianualidade dos investimentos.
O art. 74 da CF/88 dispõe que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário terão de manter de forma integrada sistemas de controle interno com a finalidade de avaliar os resultados quanto à eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado.
Sendo assim, impõe-se preservar as disponibilidades orçamentárias do ente da Administração Indireta, sem o que a finalidade essencial do orçamento fica ao sabor dos entendimentos do Governo Federal, quebrando a separação que a CF/88 formula para a Administração Direta e Indireta.
O dever da eficiência administrativa está associado à atuação da administração que promova de forma satisfatória os fins utilizando os meios da melhor forma possível em termos quantitativos e qualitativos, sempre visando à supremacia do interesse público.
A anualidade orçamentária, portanto, por ser princípio, precisa estar sintonizada com outros princípios constitucionais como o da eficiência, da continuidade, da economicidade e da plurianualidade de investimentos.
Para que se proceda à referida compatibilização, utiliza-se a PONDERAÇÃO DE INTERESSES, sopesando-se os princípios colidentes, diminuindo-lhes o alcance na medida da importância conferida a outros princípios de sentido contrário.
Em face do caso concreto, analisa-se o princípio que deve prevalecer, de modo que ambos permanecem válidos e integrantes do ordenamento, ao contrário do que ocorre com as regras.
V.- CONJUNTURA DE EXPROPIAÇÃO ORÇAMENTÁRIA. – O Governo Federal, logrou implantar, sem resistência dos entes da Administração Indireta PORQUE APARELHADOS IDEOLOGICAMENTE COM OS GOVERANANTES, o sistema de Caixa Único, pelo qual, o aproveitamento dos recursos orçamentários são contingenciados, autoritariamente.
Ressalte-se que, tendo em vista a necessidade de empenhar o orçamento de custeio e levando em consideração a atual conjuntura do país e dos entes da Administração Pública Indireta, ao gestor cabe alternativa de autorizar a utilização de saldo de empenho inscritos em restos a pagar para atendimento a fornecedores, sopesando o principio da anualidade em prevalência do princípio da eficiência.
VI.- RESUMO CONTEXTUAL DA ORDEM LEGAL APLICÁVEL À ESPÉCIE – Diz o Art.76, Parágrafo único, do Decreto-lei nº200/1967 que as despesas inscritas na conta de “Restos a Pagar” serão liquidadas quando do recebimento do material, da execução da obra ou da prestação de serviço, ainda que ocorram depois do encerramento do exercício financeiro.
Estabelece o Art. 35, I, da Lei nº 4.320/64, que pertencem ao exercício financeiro, as despesas nele legalmente empenhadas.
Conforme especifica o Art. 37 da Lei nº 4.320/64, poderão ser pagas a conta de dotação específica consignada no orçamento da entidade devedora e discriminadas por elemento, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica:
• as despesas de exercícios encerrados, para os quais o orçamento respectivo consignou crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria;
• Os restos a pagar com prescrição interrompida;
• Os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício financeiro.
De acordo com o § 2º do Art 22 do Decreto 93.872/86, considera-se:
• despesas que não tenham sido empenhadas em época própria – aquelas cujo o empenho tenha sido considerado insubsistente e anulado no encerramento do exercício correspondente, mas que, dentro do prazo estabelecido o credor tenha cumprido sua obrigação;
• Restos a Pagar com prescrição interrompida – a despesa cuja inscrição em Restos a Pagar tenha sido cancelada, mas em relação à qual ainda vige o direito do credor;
• Compromisso reconhecido após o encerramento do exercício – a obrigação de pagamento criada em virtude de lei, mas somente reconhecido o direito do reclamante após o encerramento do exercício correspondente.
O conceito de Restos a Pagar está ligado aos Estágios da Despesa Pública, representados pelo Empenho, Liquidação e Pagamento.
O Empenho constitui o primeiro estágio da despesa pública e é de onde se origina o processo de Restos a Pagar.
A Liquidação é o segundo estágio da despesa pública e consiste na verificação do direito adquirido pelo credor.
Entre o estágio do empenho e da liquidação há uma fase intermediária na qual o fato gerador da despesa já ocorreu, porém ainda não foi liquidada, esta fase é denominada em liquidação.
Conforme a operacionalidade prevista no Manual SIAF, a inscrição dos Restos a Pagar (RP) os classificará em: RP Processados, RP Não Processados em liquidação e RP Não Processados a liquidar.
a) RP Processados: no momento da inscrição a despesa estava liquidada;
b) RP Não Processados em Liquidação: no momento da inscrição a despesa estava em processo de liquidação, ou seja, estava na fase em liquidação;
c) RP Não Processados a liquidar: no momento da inscrição a despesa não estava liquidada, neste caso a inscrição foi condicionada a indicação pelo Ordenador de Despesa da Unidade Gestora, ou pessoa por ele autorizada, formalmente no SIAFI.
As despesas liquidadas se referem a créditos empenhados onde o credor já cumpriu todas as formalidades legais e habilitado ao respectivo pagamento, estando representados, contabilmente, pelas contas do grupo OBRIGAÇÕES EM CIRCULAÇÃO.
Para fins de observância do princípio da anualidade do orçamento consideram-se também liquidadas as despesas que tenham sido realizadas, mas estejam em fase de conferência e ateste e neste caso, estarão também representadas contabilmente nas contas do grupo OBRIGAÇÕES EM CIRCULAÇÃO.
Despesas não liquidadas são os empenhos ainda pendentes, não existindo ainda o direito liquido e certo de pagamento, sendo representados na contabilidade pela conta 2.1.2.1.6.02.02 – NÃO PROCESSADOS A LIQUIDAR.
A questão, sob o ponto de vista da legalidade, tem fundamento básico, nas normas gerais de Direito Financeiro previstas na LC nº 101/00 e na Lei nº 4.320/64, onde NÃO EXISTE QUALQUER VEDAÇÃO AO APROVEITAMENTO DOS CHAMADOS RESTOS A PAGAR PARA ATENDER ÁS NECESSIDADES DA GESTÃO PUBLICA.
HAVENDO empenho para pagamentos das despesas, na dotação própria, a norma legal autoriza o pagamento com aproveitamento desse empenho.
Na verdade, o citado art. 37, Lei nº 4.320/64 independentemente da existência de dotação orçamentária própria, ou da existência de dotação com saldo insuficiente no exercício passado, permite o pagamento pela utilização da dotação a título de “Despesas de Exercícios Anteriores”, como que suprindo as eventuais omissões das unidades orçamentárias, a fim de resguardar o direito e a boa fé dos eventuais credores, que não poderiam ser penalizados por atos ou omissões de que não foram responsáveis.
Portanto, mesmo a ausência de crédito próprio, para atender as despesas aqui versadas, ou a falta de seu processamento em época própria (empenho), ou ainda, a falta de inscrição em Restos a Pagar, não são impeditivas do adimplemento da obrigação pelo Poder Público, podendo e devendo extinguir as despesas do exercício anterior, mediante utilização de dotação específica do exercício corrente, discriminada por elementos (despesas com pessoal, material, serviços, obras e outros), respeitada a ordem cronológica, isto é, preferência ao fornecedor de material ou prestador de serviço com a conta mais antiga.
À luz dos ordenamentos supra, verifica-se que os pagamentos relativos a exercícios anteriores podem ser efetuados à conta de dotação específica consignada no orçamento.
A obrigação de pagar os fornecedores foi assumida no momento da contratação, e não no momento do empenho. Se entendesse que a cada empenho se assume a obrigação, então bastaria não empenhar para não ter mais a obrigação. No entanto, deixar de empenhar as despesas com pessoal ou os valores referentes a contratos não se exclui a obrigação de pagá-las. A obrigação só será extinta pela rescisão do contrato, ou pela comprovação de que as exigências contratuais não foram cumpridas, permanecendo a obrigação de indenizar, se for o caso.
O pagamento há de ser feito obedecendo sempre para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada ( artigo 5º, Lei 8.666/93).
Se forem pagas despesas de exercícios anteriores sem o atendimento das normas do artigo 42 da LRF, o titular do Poder ou Órgão que assumiu a obrigação poderá ser enquadrado nas sanções do artigo 359 C do Código Penal, com redação dada pela Lei 10.028 de 19/10/2000.
Todavia, NÃO EXISTE DISPOSIÇÃO DE LEI vedando o pagamento de empenhos inscritos em restos a pagar, e, por decorrência dos princípios que pautam a gestão pública, especialmente, os da eficiência administrativa e da economicidade impõe-se atender o interesse público que não abriga a postergação de pagamento de créditos dos fornecedores, onde e quando isto possa ser evitado.
Constituem requisitos para pagamento de despesa a sua legitimidade, caracterizada pelo atendimento ao interesse público e a observância da lei em todas as fases de constituição e quitação, e a sua regular liquidação, consistente na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito (arts. 62 e 63 da Lei Federal nº 4.320/64).
De fato, PODE o Gestor Público submeter-se OU NÃO à imobilidade gerencial para deixar de pagar a despesas resultantes de contrato regularmente firmado e executado, ou protelar seu pagamento com transgressão do princípio da ordem cronológica, inserto no art. 5º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, devendo considerar que o fornecedor pode judicialmente arguir violação dos princípios da moralidade administrativa e da razoabilidade.
A preocupação extraída da Lei 4.320/64, como a da LRF, é a de manter o equilíbrio fiscal, não permitindo assunção de compromissos financeiros, sem disponibilidade de caixa para saldá-los, que NÃO É O CASO DE EMPENHOS LEVADOS A RESTOS A PAGAR, eis que existentes recursos financeiros.
As disposições de leis e normativas infra-legais não devem ser interpretadas literalmente, mas a partir de textos constitucionais, notadamente, levando-se em conta os princípios norteadores da Administração Pública, insertos no art. 37 da Constituição Federal, dentre os quais, destacam-se os princípios maiores da MORALIDADE e da RAZOABILIDADE, este último, implícito na Constituição Federal.
O princípio da moralidade, de tão importante, é referido duplamente na Constituição Federal. No art. 37, que cuida das disposições aplicáveis à Administração Pública, e no art. 5º, inciso LXXIII, que legitima o cidadão a impetrar ação popular em casos lesivos à moralidade administrativa.
Qualquer tipo de postergação, de demora, de retardamento, no pagamento dos créditos privados, implica um enriquecimento ilícito do Estado, e, portanto, violação ao princípio da moralidade.
O princípio da razoabilidade, desautoriza o excesso ou falta de proporção entre o ato e a finalidade a que se destina, impõe o bom-senso ou o senso comum pelos quais deve se pautar a conduta da Administração.
Esses dois princípios, o da moralidade e o da razoabilidade, devem nortear a conduta dos administradores, e dar sentido e alcance às normas legais.
Normas orçamentárias que limitam a movimentação financeira devem ser interpretadas de forma sistemática em consonância com os princípios constitucionais retro examinados.
Não há, nem pode haver na legislação orçamentária ou financeira qualquer norma que estimule, INDUZA o Gestor Público a descumprir os compromissos que a entidade assumiu, muito menos, que o impeça de cumprir suas obrigações decorrentes de lei ou de contrato.
Se, por ventura, existisse tal norma, ela NÃO TERIA SIDO RECEPCIONADA pela Carta Política de 1988, e se tratasse de norma superveniente, ela seria INCOMPATÍVEL com a ordem constitucional vigente.
Portanto, os compromissos reconhecidos pelo ordenador de despesa após encerramento do exercício a que se refere podem e devem ser pagos por conta da dotação do exercício em curso, sob a rubrica “Despesas de Exercícios Anteriores”.
Nem poderia ser de outra forma, em se tratando de execução de programas de duração continuada, de previsão obrigatória na lei do plano plurianual (§ 1º do art. 165 e § 1º do art. 167 da CF).
Em se tratando de execução de programas de duração continuada, que excede mais de um exercício, era de rigor a inscrição em Restos a Pagar das despesas do contrato sob execução, pois o ordenador de despesas não poderia ignorar os compromissos assumidos no contrato, a menos que a autoridade administrativa competente tivesse ordenado a suspensão temporária da execução dos serviços contratados, por razões de ordem financeira.
Para que a despesa não liquidada seja inscrita em Restos a Pagar só se exige a existência de um documento formal, no caso, o contrato administrativo celebrado.
No sentido da legalidade de realizar pagamento com base nos empenhos levados contabilmente à RESTOS A PAGAR, é a Orientação Normativa nº 39 da Advocacia-Geral da União, cuja ementa assim dispõe:
“a vigência dos contratos regidos pelo art. 57, caput, da Lei 8.666, de 1993, pode ultrapassar o exercício financeiro em que celebrados, desde que as despesas a eles referentes sejam integralmente empenhadas até 31 de dezembro, permitindo-se, assim, sua inscrição em restos a pagar”.
Em sua fundamentação, o entendimento da AGU, expresso na Orientação Normativa nº 39, mostra que estando a despesa integralmente empenhada no exercício da sua assunção, sua inscrição em restos a pagar com a entrada em vigor do próximo exercício, constitui procedimento contábil sem qualquer efeito inibidor do aproveitamento do empenho realizado.
VII. INEXISTENCIA DE TIPICIDADE CRIMINAL. Tem sido questionado se, o disposto no Art.359-F do Código Penal alcança a situação em que empenhos levados à RESTOS A PAGAR, venham a ser considerados para a realização de pagamentos de contratos em face dos quais eles foram formalizado.
Veja-se a norma legal:
Art. 359-F. Deixar de ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento do montante de restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei: (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)
O bem jurídico tutelado nesse dispositivo, com padrão adotado na Lei de Responsabilidade Fiscal, é a probidade administrativa, relativamente às operações realizadas no âmbito das finanças públicas da União, Estado, Distrito Federal e Municípios.
Protege-se o princípio da legalidade administrativa, punindo-se criminalmente condutas praticadas sem a observância legal.
Essa norma legal é o terceiro dispositivo inserido no Código Penal que trata da inscrição dos restos a pagar.
Ensina CÉSAR DARIO MARIANO SILVA( SILVA, César Mariano da; Manual de Direito Penal – parte especial – volume III – arts. 235 a 361. Bauru, SP: EDIPRO, 2002. ) que “se o sujeito deixar de ordenar (mandar por quem tenha atribuição para tanto), de autorizar (permitir) ou de promover (realizar, concretizar) o cancelamento do montante de restos a pagar inscrito em valor acima do permitido por lei, incorrerá no delito.”
Contudo, como já foi amplamente demonstrado, não há limite previsto na LRF ou noutra legislação para a inscrição de restos a pagar que possa ser utilizado para caracterizar a infração.
Assim, é forçoso concluir que este dispositivo não tem aplicabilidade nem para o ordenador da despesa que está deixando a administração e nem para aquele que a assume.
Outro ponto merecedor de destaque nesse dispositivo diz respeito ao cancelamento de restos a pagar, o que não é nada razoável, além de não trazer nenhum benefício quando os restos a pagar já estiverem processados (liquidados).
De fato, onde está a finalidade pública dessa regra, se, a obrigação continuará existindo, mas não será apresentada nas demonstrações contábeis, ficando a dívida camuflada, escondida, não revelando nem correspondendo, portanto, ao endividamento existente.
Dá-se, no caso, ensejo à violação do principio da transparência, atenta contra o princípio da evidenciação contábil.
Não se presta, pois, o cancelamento dos restos a pagar a preservar a gestão pública, até porque se tem no cumprimento dos diversos instrumentos de planejamento e controle trazidos pela LRF, a conduta adequada de finalidade pública.
Como já foi amplamente demonstrado não se tem, no caso em pauta, vedação legal à utilização de empenhos levados à RESTOS A PAGAR, para realizar pagamentos de contratos em face dos quais tais empenhos foram processados.
Existe, pelo contrário, convergência de princípios que devem pautar a gestão pública, no sentido de que se faça essa opção.
Cuida-se, nessa tipicidade criminal, de compor a malha de condutas que atentam com os objetivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, qual seja a realização de gastos em base orçamentárias, transferindo-se para a gestão futura a responsabilidade de encontrar solução para o passivo acumulado.
No delito do art. 359 F, cumpre notar que as condutas tipificadas estão reunidas ao cancelamento do montante de restos a pagar inscrito em valor superior permitido por lei.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, proíbe “que os agentes públicos contraiam, nos dois últimos quadrimestres de seu mandato, obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para esse efeito (art.42, caput, LC 101/2000)”.
Significa dizer que, para as despesas que supere os limites legais para a efetuação da dívida, ultrapassando o montante destinado por lei, tem o administrador, obrigação legal de ordenar, autorizar ou promover o cancelamento da inscrição, como restos a pagar.
Mesmo assim, ainda se faz condição para a criminalização da conduta, a existência do dolo.
O dolo deve abranger a ação, o fim preposto, os meios escolhidos e o fim pretendido.
Em outros termos a existência de autorização legislativa torna o fato atípico, e como a UFC vai realizar despesa bom base em disponibilidade orçamentária, não incide, no caso a norma incriminadora.
VIII. CONDICIONAMENTO DA CONTRATAÇÃO À PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA – Cabe destacar que o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já proclamou que não se faz obrigação legal da contratante, ter prévia disponibilidade financeira para celebrar contratação.
Veja-se no REsp 1141021 / SP RECURSO ESPECIAL 2009/0070033-8, relator Ministro Mauro Campbell Marques
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. OBRA PÚBLICA. ART. 7º, §2º, INCISO III, DA LEI Nº 8.666/93. EXIGÊNCIA DE PREVISÃO DE RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS.
1. Trata-se de discussão acerca da interpretação do disposto no art.7º, §2º, inciso III, da Lei nº 8.666/93: se há a exigência efetiva da disponibilidade dos recursos nos cofres públicos ou apenas a necessidade da previsão dos recursos orçamentários.
2. Nas razões recursais o recorrente sustenta que o art. 7º, §2º, inciso III, da Lei nº 8.666/93 exige para a legalidade da licitação apenas a previsão de recursos orçamentários, exigência esta que foi plenamente cumprida.
3. O acórdão recorrido, ao se manifestar acerca do ponto ora discutido, decidiu que “inexistindo no erário os recursos para a contratação, violada se acha a regra prevista no art. 7º, §2º, III, da Lei 8.666/93” .
4. A Lei nº 8.666/93 exige para a realização da licitação a existência de “previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma”, ou seja, a lei não exige a disponibilidade financeira (fato da administração ter o recurso disponível ou liberado), mas, tão somente, que haja previsão destes recursos na lei orçamentária.
5. Recurso especial provido. ( grifamos).
LUIZ FLÁVIO GOMES (GOMES, Luiz Flávio. Crimes de responsabilidade fiscal: Lei n. 10.028/00 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. ), explica que para a tipicidade dos crimes fundados na Lei de Responsabilidade Fiscal:
a) A conduta do agente precisa prejudicar diretamente no planejamento e/ou no equilíbrio das contas públicas;
b) É preciso que essa conduta cause lesão ou ao menos perigo concreto de lesão a esse bem jurídico;
c) Se a conduta realizada for puramente anti-normativa (contra o limite imposto, contra condição imposta), mas não colocar nem de longe, em perigo o equilíbrio das contas públicas não há crime.
d) Se a conduta sendo antinormativa, não é antijurídica (em sentido material) há desvalor da ação mas não desvalor do resultado, Portanto não há crime.
Restos a pagar, segundo o Direito Financeiro em face da ordem legal já exposta, nada mais é do que a inscrição própria das despesas empenhada, mas não pagas até o dia 31 de dezembro (art. 36 da Lei 4.320/64).
Acontece, porém, que no passado, utilizou-se esse mecanismo contábil para transferir, de um ano para outro, de um governo para outro, as dívidas que não tinha recursos para pagar.
Todavia, o art. 42 da LRF trouxe implicações à utilização do mecanismo de restos a pagar, vedando que se contraísse despesa nos últimos dois quadrimestres da gestão sem que fosse paga até 31 de dezembro ou que tenha parcelas a ser paga no exercício seguinte sem suficiência de caixa.
Objetivou o art. 42. da LRF, impedir o déficit inconsequente, como de resto, tem essa diretriz toda e qualquer norma restritiva de operacionalidade contábil relativamente a restos a pagar.
Sob o manto da ordem constitucional e legal, se não existe orçamento para abrigar a despesa ela não pode ser contraída e, muito menos, paga.
Todavia, se há verba orçamentária, a despesa pode ser contraída e, existindo disponibilidade de recursos financeiros (de caixa), a despesa deve ser paga, inclusive noutro exercício financeiro.
Dentro desse contexto constitucional e legal é que se encontra sentido e aplicação da tipicidade criminal estabelecida no Art.359-F do Código Penal.
Diga-se que o art. 359-F vem em complemento com disposto no art. 359-B do Código Penal, no qual, o legislador tipificou a conduta de inscrever em restos a pagar de despesa que não tenha sido previamente empenhada ou que exceda o limite estabelecido em lei.
Naquele, o tipo configura-se na omissão a um dever, dever este, de cancelar, de deixar de ordenar, ou de deixar de autorizar a inscrição em restos a pagar de despesa de valor superior permitido em lei.
Vê-se, pois, que o legislador ordinário, nos dois casos, criou punição penal buscando evitar que não fossem inscritos nenhum restos a pagar além daqueles permitidos pela lei – com suficiência de caixa.
Para isso, tipificou tanto a conduta positiva (o ordenar ou autorizar a inscrição em restos a pagar), como também a negativa (deixar de cancelar, não deixar de ordenar ou não deixar de autorizar).
Cuida-se, nessas disposições penais, de impor uma postura na gestão fiscal em consonância com os ditames da LRF.
Busca-se, coibir o abuso dos restos a pagar para protelar a dívida pública e deixá-la cada vez maior, como acontecia no passado anterior à LRF.
Resta evidente, como já demonstrado, que existindo empenho emitido sob cobertura de verba orçamentária, sendo o pagamento da despesa postergado por contingências operacionais, o pagamento pode e deve ser feito, com o aproveitamento do empenho.
Na verdade, adotar entendimento que leve a postergar pagamento de créditos dos fornecedores, devidamente processados, empenhados, além de contrariar os princípios que pautam a gestão pública, sendo que o cancelamento traria prejuízos aos credores, causa enriquecimento ilícito para a Administração.
Como se vê, a utilização dos empenhos colocados em RESTOS A PAGAR, não se enquadra nessa tipicidade criminal do Art.359-F do Código Penal .
Na verdade, todo o alcance e sentido que se pode extrair dessa tipicidade criminal converge para dar sanção penal ao gestor público que ASSUMA OBRIGAÇÕES FINANCEIRAS sem a existência de correspondentes recursos para honra-las, evitando-se a perpetuação dos débitos públicos, pelo repasse às gestões futuras, dificultando a boa administração de novos gestores.
Significa que, repita-se, o bem jurídico protegido nessa tipicidade criminal é a probidade administrativa e a estrita regularidade da Administração Pública, particularmente em relação às operações realizadas no âmbito das finanças públicas.
Ao criar esta figura penal, o legislador visou manter a regularidade das contas públicas evitando que o administrador por motivos escusos ou eleitoreiros sobrecarregasse a nova administração, situação sem qualquer pertinência com a utilização de empenhos colocados em restos a pagar.
IX. CONCLUSÃO – Tem-se sob a visão sistêmica da ordem constitucional e legal, acima delineada, com apoio em proclamações extraídas da jurisprudência e da doutrina, aplicáveis à gestão publica, na qual se insere a questão do APROVEITAMENTO DE RESTOS A PAGAR como objeto da discricionariedade da autoridade superior, por não existir vedação legal à tanto e, principalmente por atender aos princípios da RAZOABILIDDE, EFICIENCIA ADMINISTRATIVA, JURIDICICADE E ECONOMICIDADE.
ADRIANO PINTO.
Terceiro Secretário da Academia Cearense de Letras Jurídicas
PROFESSOR APOSENTADO DA FACULDADE DE DIREITO/UFC.
MEMBRO DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS DO CEARÁ
MEMBRO DO INSTITUTO CEARENSE DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS.
MEMBRO DO TED/OAB-CE